Castigo pra educar
Nada de colocar a criança no cantinho
pra pensar. Ela não vai nem entender o que isso quer dizer, e o castigo não vai
adiantar pra nada
Ninguém discute que castigo é necessário, porque faz parte do processo
de educar, mostrar o que é certo e errado, dar limites, orientar. Mas é preciso
bom senso na hora de aplicar o castigo adequado a cada situação, porque ele só
funciona se tiver uma conotação educativa e não punitiva simplesmente. Ou seja,
ele deve estar diretamente ligado ao erro cometido. Sujou a parede? Limpa. Não
adianta colocar a criança no tal cantinho do castigo pra pensar no que fez. Ela
não vai pensar, porque nem compreende o sentido disso até os 6 anos. Portanto,
isolá-la só serve mesmo para dar uns minutos de descanso para a mãe, segundo
nossa colunista Betty Monteiro, mãe de Gabriela, Samuel, Tarsila e Francisco,
na entrevista abaixo:
Você concorda com o
cantinho do castigo, com o argumento de “vai pensar”?
É onde eu to
batendo a minha tecla ultimamente. Eu não gosto de Supernanny, eu prefiro “seu
cão seu dono”, porque isso que ela faz é adestramento. Quem faz isso com uma
criança pequena não sabe o que está fazendo, não conhece o desenvolvimento
cognitivo, psíquico e intelectual da criança. A criança só consegue pensar
sobre o que fez e só compreende o sentido moral das regras e dos valores a
partir de 6, 7 anos. Então, botar uma criança pequena pra pensar no que ela fez
só serve pra dar uns segundos de descanso pra mãe. Não tem função educativa,
pode ser adestramento e mesmo assim não funciona. A criança pequena entende o
não e o sim, porque o não deixa a mamãe triste e o sim deixa a mamãe feliz.
Ela percebe a
reação da mãe...
Exatamente. Ela
sabe que deixa a mãe triste se faz alguma coisa que ela não gosta. E não tem
coisa mais importante pra criança do que agradar aos pais. A melhor forma é
falar pra criança “isso que você fez, cita o ato, é feio e a mamãe não gosta”.
Nunca colocar em dúvida o amor que sente pela criança. Nunca falar “A mamãe não
gosta de você porque você fez isso”. Mas “a mamãe fica triste e brava com você
quando você faz isso”. Tem que apontar que é o comportamento que a mãe não
gosta e não dela. Nunca podemos deixar a criança com essa dúvida. Tem criança
que sempre repete “mão, você gosta de mim, você me ama”? Ela precisa reforçar
esse amor.
Os castigos
funcionam?
Sim. O
castigo tem que ter correspondência direta com o erro da criança. Por exemplo,
ela rabiscou a parede, ela sabe que não pode fazer aquilo. Em vez de colocar no
cantinho pra pensar “olha o que você fez”, o castigo é fazer a criança limpar,
do jeito dela, claro. Ela não vai saber limpar do jeito que ela souber. Agora,
a criança deu um tapa na mãe, segura as mãozinhas, olha bem nos olhos dela e
diz “eu não quero que você faça isso, a mamãe não faz isso com você”. Porque se
a mamãe faz, a mamãe não tem moral pra falar nada. “Eu estou brava”. E fica
sério. Aquilo vai entrar na cabecinha dela.
A partir de que
idade?
O castigo educativo
pode acontecer desde 3 anos, quando a criança já fica mais solta e tem
percepção do que agrada e não agrada os pais. Antes disso, o “não” é muito
importante, é o primeiro organizador psíquico, mas eu prefiro educar pelo
“sim”, porque a criança pequena, até 4, 5 anos, é oposicionista, ela é do
contra, ela acha que é o centro do universo, que as pessoas existem para
servi-la. “Pega isso”, “Faz isso”, “Quero comer”, “Me dá isso”, “Quero
comer”... e elas têm uma característica egocêntrica, elas são mesmo, o que é
diferente de egoístas.
Qual é a diferença?
O grande erro dos
pais quando a criança não quer dividir um brinquedo é chamá-la de egoísta,
rotulá-la, e um rótulo é pra sempre. Ela não é egoísta, ela é egocêntrica, o
mundo é dela.
E como repreender?
Como ela tem essa
característica oposicionista, eu prefiro mudar o foco. Porque se ela está com
um copo na mão e você grita “larga esse copo”, o que ela faz? Sai correndo, vai
transformar isso numa brincadeira. Eu acho que as mães precisam ser mais
ativas, agir mais e falar menos em algumas ocasiões. Há momentos em que o “não”
bem sonoro é preciso – a criança larga a mão da mãe na rua, é preciso um não.
Mas as mães dizem muitos nãos e ela perde a autoridade. O não precisa ser
deixado pra situações importantes, porque vamos ter que dizer muitos nessa
etapa em que ela está descobrindo o mundo, quer mexer em tudo, porque ela quer
conhecer as coisas. Não adianta falar não mexa na minha porcelana, porque isso
pra ela é brinquedo. Ela não tem noção do valor. Ela quer por na boca, porque
assim ela apreender. Por isso é importante não deixar coisas perigosas ou de
muito valor ao alcance delas. Isso chama-se bom senso. Pega uma coisa que não
devia, mostra e tira das mãozinhas. Diz que vai guardar.
Mas a gente tem que
adaptar a casa à criança?
Tem, sim, nessa
fase de descobertas, para não ter que falar o tempo todo não e não e não. E não
acontecer o que vejo sempre no consultório, que são mães de crianças de 3 anos,
onde o vínculo já está tão desgastado, porque a mãe diz não e a criança diz
sim, que tem mãe que não suporta olhar a criança aos 3 anos, e vice-versa. É a
fase em que a criança começa mesmo a ficar mais sapeca, mas é tanto não, tanto
estresse. Em vez de ficar gritando, sai daí, muda o foco: vamos espalhar pasta
de dente no banheiro? A criança pegou uma faca, não adianta ficar gritando.
Tira a faca da mão, explica isso faz dodói. Faz ela sentir, faz aiai, mostra.
Agora você vai ficar de castigo porque pegou a faca... Não!!! Precisa ter
criatividade e entrar com o lúdico.
Você acha que o
cantinho do castigo tem alguma vantagem em algum momento?
É bobagem, é perda
de tempo, não é educativo, não vejo valor algum, a não ser pra mãe descansar
alguns minutos dessa criança ou descarregar a raiva dela.
E associar o
castigo ao pensar?
O pensamento é uma
coisa tão boa, é um crescimento, uma elaboração, é sinal de inteligência, de
crítica. O pensar acaba virando um castigo. A criança começa a pensar e não a
refletir sobre os atos dela, mas a reflexão é a partir dos 6 anos, a refletir
sobre o que é certo, a moral. Antes dessa idade, a mãe coloca a criança no colo
e diz, por exemplo, você está bravo com a mamãe porque ela não deixou você
fazer o que queria. Esse é o papel da mãe. Explicar para a criança por que ela
está daquele jeito e como se chama aquilo que ela está sentindo. Você está com
raiva, você está triste porque o seu brinquedo quebrou, você está irritado
porque você está cansado e quer dormir. Isso é pra se fazer desde pequenininho.
A criança aprender a nomear os seus sentimentos e as suas emoções. Isso é
maravilhoso, e a principal função da mãe até os 5 anos. È o que chamamos em
psicodrama em fazer o duplo. É muito mais importante do que fazer a criança
pensar sobre um erro. Você está junto com ela criando associações. A mãe deveria
se preocupar mais com isso.
A criança xingou a
mãe e vai pro castigo. Não, você xingou a mamãe porque você está bravo porque a
mamãe não deixou você fazer isso. Toda vez que você fica bravo você bate no seu
irmão, não é assim que se faz. Toda vez que você quer alguma coisa no mercado
você se joga no chão pra chamar a atenção das pessoas, porque você sabe que a
mamãe acaba comprando o que você quer. Fez birra, ignora, espera passar a
crise, (também não adianta interferir na crise, porque você vai levar pontapé,
supapo, e a criança vai exagerar ainda mais), você quer uma coisa, a mamãe diz
não, faz a leitura.
Mas não adianta dar
castigo? Tirar o videogame?
Mas qual é a
relação da birra com o videogame? Nenhuma. Então, fez birra, então o castigo é:
você não vai mais com a mamãe nesse lugar. Quando a gente fala de atitudes com
a criança, é preciso levar em conta a idade. Uma criança pequena você não pode
botar pra pensar, mas uma maior você pode. Aí sim você fala pensa no que você
fez, mas aí é um pensamento crítico (a partir dos 7 anos).
E como agir com uma
criança já maior, com 11, 12 anos, que vai mal na escola, não estuda?
Você vai combinar
com ele um horário pra ele estudar todos os dias, mas não adianta você definir
o horário. A mãe vai perguntar que horas é bom pra ele. Tal hora. Se estiver
bom pra mãe também, ok. Porque esses contratos funcionam desde que o outro
participe. Geralmente a mãe diz que fez um combinado, mas só ela fez. E a regra
não funciona quando o outro não participa. Mas se a regra é discutida e o outro
não faz, você tem força pra falar que ele quebrou um combinado. E combinados
não se quebram, porque você perde a confiança.
O que você acha de
tirar o computador ou o videogame em outras situações?
Na hora da raiva,
deixa o cara um mês sem o computador ou o futebol, justamente as atividades que
relaxam a criança, que dão prazer. E o filho fica ainda mais nervoso, mais
irritado. Não acho que deve tirar o prazer da criança. Eu tenho um cliente
muito ansioso que descarrega a tensão e, quando vai mal na escola, o que a mãe
tira? O futebol. E eu acho que só o prejudica mais, o agride, ele fica mais
tenso e menos em condições de ir bem na escola.
O que fazer?
Vou contar uma
história. Uma vez, eu ia dar uma palestra e me ligou uma mãe dizendo que ia
bater no filho, que estava mal na escola. Aproveitei e abordei o assunto na
palestra, contei a história e perguntei pra plateia o que aquele menino estava
precisando. Uma menina sentada na primeira fila respondeu: Ele precisa de
ajuda. Ninguém vai mal na escola porque quer. Se isso está acontecendo é
sintoma de que algo não está bem. Não é castigo, às vezes ele precisa
simplesmente mudar de escola. Ele precisa de ajuda. E digo o que não fazer:
jamais chamá-lo de vagabundo, preguiçoso, burro... são rótulos que ficam. O
jovem e a criança não sabem quem são, é o adulto que diz pra ele quem ele é. Se
ele vai escutando isso é isso que ele vai ser, o papel que ele está recebendo
desse adulto. Por isso, toda família tem a ovelha-negra, a santinha. De
repente, isso é uma condenação. É uma profecia.